domingo, 19 de outubro de 2014

Felicidade e Mel



Por mais voltas que possamos dar ao pensamento e às conversas, o que esperamos todas na vida é sermos felizes. E a felicidade pode ser definida (pode?) e sentida de muitas formas.
Para mim, a felicidade não é um traço de personalidade, não é nada definitivo, é uma construção permanente que às vezes resulta, que às vezes dura dias, outras vezes minutos.

O que somos no intervalo em que não nos sentimos felizes? Não sei. Não somos necessariamente infelizes só porque não estamos felizes. Diria que há um estado de existência ameno, em que não somos, nem deixamos de ser, passa-se o tempo e nós por ali andamos.

E depois há o dia em que nos tornamos mães.
Baralha-se tudo outra vez.

Não se passa a viver num estado crónico de felicidade, não. Mas ganha-se uma capacidade imediata de relativizar o universo,  de relativizar os estados de existência amenos. Ganham-se novos materiais de construção e novos braços para pegar na pá.
E tornamo-nos esponjas de sorrisos com dentinhos de vários tamanhos, esponjas de gargalhadas inocentes acompanhadas de palminhas descompassadas, esponjas de beijinhos doces mandados em mãozinhas XS. Derretem-se os filtros e, sem mais, nem menos, somos felizes.

Aqui no blogue, ainda não tinha tido oportunidade de celebrar o primeiro aniversário de quem me provou que a felicidade, às vezes, pode ser objectiva. E ter nome.


Mel.







segunda-feira, 13 de outubro de 2014

A creche - É possível sermos felizes


De certeza que a couve-flor está a mirrar na água a ferver. O cheirinho da sopa de pessoas pequeninas sente-se logo à entrada e não há qualquer hipótese de alguém se esquecer que entrou num pedaço de mundo diferente.

Levo no meu abraço tudo o que importa mais ao meu coração. As bochechas da Mel já estão ensopadinhas de beijos de mãe que a toda a hora percebe que o melhor do mundo já aconteceu, e em tão boa hora. És linda filha, a mais linda, tu sabes. Serás sempre, não há nada comparável a ti.

Paramos quase sempre para cumprimentar a flor gigante (aos olhos da Mel) que está colada no vidro, e ela estica o indicador e exclama: "Uuuhuuu. Mnhami-tapi?". Respondo quase sempre: "Pois, filha, é a florinha". 

Por vezes subimos o primeiro lanço de escadas aos saltinhos, até ver os peixinhos coloridos feitos com cd's. Ai tão bonitos os peixinhos. Como fazem os peixinhos, filha? Baque-baque. Ela observa-me com atenção, como sempre, e diz de sua justiça. Na verdade, não sei como fazem os peixes, mas é importante que também eles ganhem voz, para que ela se lembre mais facilmente deles. 
Esta coisa de querermos que os filhos conheçam os animais, os sons das coisas, as cores, onde está a tontinha, o olho e a "babiga"... É tão humano e giro.

Ainda antes de abrir a cancela do primeiro piso, paramos novamente quais visitantes de galeria de arte para observar um arranjo outonal de parede, feito de folhas secas. Um dia ajudas a fazer um assim também, filha. Ela quer puxar os fiozinhos, sentir o castanho, a cana... 

Desde que entrámos que só se ouve chorar. Quantos choram ao mesmo tempo hoje, meu Deus?
Até a mim já me apetece chorar!, brinca uma educadora. É segunda-feira e o fim-de-semana trouxe mimos reforçados a todos, como pode isso acabar assim, pacificamente? 

Deixar a bebé na sala não é entregar a bebé. Só percebo isto agora, que sou mãe, não há hipótese de o entender sem viver a experiência. E deixar a bebé é, em si, uma cerimónia de despedida diária que, mesmo que só dure três minutos, é cheia de angustiazinhas e felicidades. Sim, tudo ao molho. Transferir o colo é falar do dia anterior, do pedacinho de manhã que já se passou em casa, do humor com que acordou, das gracinhas, do que comeu, da febre, da tosse e do cocó. É ficar apertadinha quando faz um beicinho a pedir "não me deixes aqui, quero estar mais um bocadinho contigo mãe" e algo circunspecta quando estende os bracinhos para o colinho de serviço e rapidamente se distrai com os passarinhos, assim, sem olhar para trás, nem deixar cair uma lagriminha...

Olho para o cabide que diz Inês Mel, pouso a mochilinha cor-de-rosa de saia de bailarina, passo os olhos pela ementa da semana e espreito-a novamente para ver como ficou. E ela brinca. E ela ri. E ela fala, diz tantas coisas. E aponta. E faz-se ao mimo. E sorri.
E eu? Eu, quase que me desfaço.

Eu, mãe de primeira viagem, fiel companheira da minha bebé até aos 11 meses, consigo hoje encher-me de felicidade quando a vejo brincar e sorrir sem me ter por perto (fisicamente). Sim, é mesmo possível isto. Estamos a crescer as duas.

O efeito "pais voltem todos imediatamente senão choramos para sempre" parece ter acalmado. O silêncio normal de gritinhos felizes venceu a saudade.

Desço tudo outra vez - será que, inconscientemente, digo até logo aos peixinhos cd's também? - e parece-me agora que, para além da sopa de couve-flor, também vai haver carne assada!

Até logo!
Tratem bem da minha bebé mimosa.